domingo, 19 de janeiro de 2014

OPINIÃO - Cá na terra... havia um queijo.

Chegava-me a Moçambique, terra das minhas primeiras memórias, enviado por meus avós maternos, conservado em azeite.
Regressado a Portugal, fui andando de terra em terra, primeiro ao sabor das transferências de serviço de meu pai, depois vogando para onde as marés da minha própria vida me levavam. Mas ficou-me esse gosto de queijo na boca.
Recordo perfeitamente a minha primeira visita a Nisa, lá pelos finais dos anos 80, vindo de Lisboa, a caminho da Serra da Estrela. E a segunda também, já em finais dos anos 90, pela mão de amigos cá da terra para quem trabalhei nos arrabaldes da capital. E também me lembro que em ambas as vezes comprei Queijo de Nisa.
As tais marés da vida acabariam por me trazer até esta terra, onde me radiquei, constitui família e tenho como minha.
O Queijo de Nisa passou a ser, agora próximo dos seus produtores, oferta habitual a amigos e familiares, prenda entregue com orgulho e a certeza de que a mesma será apreciada.
E a que propósito vem tudo isto?
Acabo de ver mais um programa da série "A alma e a gente" de José Hermano Saraiva, difundido na RTP2, dedicado a Portalegre. Lá para o fim do programa, depois das loas do costume à localidade em foco, e para minha surpresa, depois de uma referência aos vinhos de Portalegre, ouço também uma referência ao queijo, e cito, "(...) o queijo de Portalegre, que ainda recentemente foi considerado por uma revista americana um dos melhores do mundo."
Alto e pára o baile! Queijo de Portalegre?
Já não me chegava o dito queijo premiado ser feito em Monforte, a 65 quilómetros de Nisa, que por razões que, pelo menos a minha, razão desconhece, tem a Denominação de Origem Protegida (DOP) "Queijo de Nisa", ainda tenho agora que ouvir que o queijo é de Portalegre? Haja vergonha, já que não há rigor!
Ainda durante a última "Volta a Portugal em Bicicleta" ouvi desconsideração de igual quilate, quando a um Prémio da Montanha implantado em plena Serra de S. Miguel, ali por alturas do cruzamento do Arneiro, foi dado o nome de Alto de Ródão, repetido em todos os órgãos de comunicação social que cobriam o evento.
Desconheço se a nossa Câmara apresentou algum protesto por este erro, mas se não o fez então deveria fazê-lo agora. Pela parte que me toca, vou de seguida enviar um mail para a produtora do programa, dando-lhe conta do seu erro e do meu desagrado. Quem não se sente, não é filho de boa gente.
in http://maladeporao.blogspot.com
NOTA DE RODAPÉ
Cá na terra havia muitas coisas boas, não só o queijo, os enchidos, o artesanato, o azeite, mas também a lã, o engordar do bacorinho, os rebanhos, o matadouro, os quintais de festa, as tradições, os maranhos, a cozinha regional, os trajes, a música, as festas, o sotaque, único e inconfundível, a história e o património.
Com o tempo, a insensatez de uns e o “deixa andar” de outros, tudo se foi perdendo.
Esta terra já teve (quase) tudo e tudo vai deixando fugir em favor de outros interesses.
Mas, não perderá - enquanto houver força e lucidez - uma última trincheira de revolta, indignação e de denúncia daqueles que fazem "ouvidos de mercador" e, perante os esbulhos patrimoniais de que somos alvo, assobiam para o lado.
Mário Mendes - 23/11/2008